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Especial com Alcivando Lima – JOÃO E JOSÉ

“É que, quando se sente infelicitada no presente, a alma corre para o passado como um refúgio”. Hugo de Carvalho Ramos – Escritor brasileiro – 1895-1921

José: Me alembro bem, ouvindo o canto alegre, não era triste, do carro de boi, carregadinho com quase cinco mil espigas de milho; não importava se o tempo estava enfarruscado ou se luziluzia um sol esparramado, meu pai repetia a ladainha do governo de que temos de apertar o cinto, estamos vivendo dias difíceis; eles (governo) não falavam que o truste internacional, os tubarões estavam (estão) a comer tudo. Meu pai falava e os outros anciãos concordando num movendo a cabeça feito cavalo pedindo rédea e alguns até abriam a boca num murmúrio quase inaudível: É memo, sô! É uma desgraça esse povo estrangeiro; papou nossa colheita passada e vai papar a vindoura e por ser um bando de gente grandona (conseqüência de comer carne todo santo dia), têm a pele untuosa, avermelhada e perigosos olhos azuis que, se a gente não ficar esperto papa até a muié da gente. Pra engambelar a patuléia daqui, manda pra cá uns calhaus de navios que pra eles não prestam nem pra galinha botá ovo e mais uns aviões mulambentos; levaram e continuam levando nosso ouro, nosso diamante, nosso jacarandá, imbuia, cedro, jatobá, angico e mais um mundéu de trem e ainda tamo devendo até as cuecas igualzim aquele piãozim que cai na máquina de moer carne dos coronéis de antanho… e de hoje.

João: Sei não, Zé, acho melhor você parar de encher o saco dos lá de riba. A qualquer hora vão te enquadrar como subversivo, comunista.

José: Subversivo? Taí, João, você cutucou reminiscências guardadas um cantinho escondidinho da minha mente. É que, quando rapazote, morria de curiosidade de conhecer um subversivo, tocar sua pele, ver se era do mesmo jeito que a gente e nunca que via um. Nas nossas tertúlias, muitos, crispando os dedos, jactavam as proezas desse povo ímpio, que renegava as chagas de Cristo e, acima de tudo, a crueza impiedosa com que sangravam seus adversários com o desinfeliz convulsionando, rogando misericórdia, agitando braços e pernas se debatendo enquanto a faca comia solta e logo estrebuchava e morria guinchando feito leitão entalado na brecha da cerca. E o pior, era quando tinha que voltar sozinho pra casa, tarde da noite. Vai que topo com um bicho desses que tinha parte com o capeta?

João: Cruz Credo, Zé, que exagero. Nunca que ouvi falar disso, não! Conversa fiada, siô!

José: É que te contam as coisas pela metade, João! Você é jovem e não viveu e nem testemunhou a revolução fazendo muito neguim cabeça boa, mente brilhante, ir amoitar na saroba e depois pirulitar-se para as estranjas e lá formar-se nas áreas científicas e até hoje morrem de saudade da terra querida. Mas voltar pra quê? As coisas por aqui continuam brabas. Taxam o livro e isentam armas. Taxam o queijeiro e isentam e perdoam dívidas de templos faraônicos. A felonia é a regra, entende?

José: E assim João, permanece o cantochão de tudo como dantes no quartel   de Abrantes. Nossa adensada e avoenga dívida (interna/externa) continua nas alturas e, portanto, nos deixa com ar rarefeito. Petróleo importado comia nossos ganhos, descobriu-se que temos campos petrolíferos as pampas, mas aí chega um sátrapa e diz: tem que acompanhar o mercado internacional, viu? Se não ó, e passa o fio duma mão na outra mão fechada indicando que vão nos tirar os bagos fora; veio o álcool combustível, cem por cento brasileiro, mas, os déspotas, vem e repetem a mesma litania e as coisas, (gasolina, diesel e etanol), ficam caras demais e nosso ganho vai pras cucuias; produtores vão vender suas safras em reais que valem uma merreca ou exportá-los em dólares que valem cinco, seis vezes mais? Eis a questão!!

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Alcivando Lima - Opinião Leitor

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