Especial com Alcivando Lima – MORROS UIVANTES
“Não deixe que a pobreza se transforme em paisagem”. (Google, pesquisa).
Os ventos de Gualeguay, Argentina, são amenos, porém, sujeito a trovoadas impudicas. “Não faça filhos se você não está em condições de dar uma vida digna, saúde, alimentação, educação, amor, tempo e cuidados”. Quem disse isto foi Nora Fernando, secretária da cultura daquela cidade e que UOL, dentre outros, publicou. A secretária retratou dizendo que não foi intenção soar-se ofensiva, mesmo assim foi amplamente repudiada e corre o risco de ser degredada por mandar a pobreza parar com essa mania besta de querer ter filhos feito gente rica. Lembro que já ouvi isso numa das minhas proezas de perambular pela grande Goiânia. Ônibus entupidinho de trabalhadores na volta da labuta que começa as quatro e continua até o crepúsculo se derramar sobre cada terminal formigante com a inhaca escorrendo pela nuca, sovacos e daí descem às partes pudendas num prurido despudorado. De repente, quebrou-se o burburinho ininteligível por uma ruidosa risada e um rosto crestado se iluminou numa expressão jocosa, rematando: Diga aí se pobre não é mesmo um bicho embirrado: Vê rico comer carne, lá é-vem um com aquele olhar pidão suplicando um naco; Se rico viajar de avião corre rapidinho comprar passagens em duzentas e oitenta prestações pra se escafeder para Disneylândia, deixando de lado, digamos, Nazaré das Farinhas, (muito mais barato) com seu charmoso Cine Teatro Rio Branco, de 1927, restaurado pelo pentacampeão Vampeta, filho do lugar. É claro que a platéia censurou aquele dito preconceituoso, com alguns gungunando que aquele mané precisava levar uns tapas mode não afrontar Deus que sempre deixou o pobre ter tantos filhos quantos quiser, não importa se depois vai lamber na bica, né?
—É! — Exclamou nosso travesso paladino — Rico tem um, dois e pobre tem uma renca que, desafiando as leis naturais, se escoram nas encostas dos morros uivantes, se equilibram em favelas verticais nas montanhas, se esparramam pra beira de corgos e rios com suas inundações engolidoras de gente, animais e barracos ou dependuram-se em palafitas sobre esgotos emanantes de miasmas mefíticos, como se tudo isso fizesse parte natural da vida.