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Especial com Alcivando Lima – PAI, COMPRA UMAS ESTRELAS PRA MIM

Nos olhos do jovem arde a chama. Nos do velho brilha a luz. Victor Hugo  

Não nos causa o frenesi de antanho assistir desfiles, seja de militares, colegiais ou de ex-pracinhas. Nossos arroubos são chochos ante àquele socado surdo dos coturnos no asfalto, o brado do comando numa solidez tonal, o tropel dos cavalos do exército, o ronco trovejado das motos. No palanque as autoridades civis e eclesiásticas, muitos de inteligência tacanha que renegam a ciência. Generais, brigadeiros, almirantes, reinam num fervor malemolente e seus paramentos militares hipnotizavam os pequeninos com suas estrelas, barretas e alamares cintilantes ao sol.

E vinham os discursos. A vozinha aguda de um menininho ou de uma menininha ecoava insossa, sem júbilo ou arrebatamento, mas, mil vezes preferível à oratória manipuladora daquele que se arrota lídimo representante do povo e nos enrola, sempre, com seus espasmos enganosos de benfeitor.

Bruscamente a lambada curta de um trompete move a tropa em movimentos sincronizados, cadenciados, batalhão, como cartas de baralho, atravessando outro batalhão, num encantamento mágico, com o chão tremendo sob o rufo dos tambores e vem mais estalos numa escala musical  do rataplan dos taróis, os repiques das caixas de guerra, soam os trombones, as trombetas, pistons, tubas e clarins em notas agudas e a maravilha gloriosa do dobrado Batista de Melo retumba consagrado, com os ventos despertando em nós sentimentos patrióticos e enfunam nosso peito deslumbrado e saímos acompanhando a marcha, descompassados, eu sei, mas não menos garbosos que aqueles homens impecavelmente fardados.

Entretanto, uma criaturinha, encantadamente seduzida pelas vestes ornamentadas dos militares, puxava, insistentemente, a barra das calças do que parecia ser seu pai e este, absorto pelas notas, pelo compasso aconchegante do dobrado Batista de Melo, não percebia a angústia daquele petiz choraminguento que implorava atenção, por favor pai, me ouça!

Uma galegona com cara de poucos amigos e peitarama enorme, juntava os calcanhares e batia continência pra qualquer bandeira que passasse na sua frente. Perguntada o porquê daquele ufanismo, respondeu que se o Trump, de cor de cenoura murcha e pose de Bom de Boca pode por que não ela?

Passam-se os minutos e o aboio absorvedor daquele hino foi arrefecendo e pouco se ouvia dos baques dos tacões no chão pátrio e uma paz se formou com um frescor trazendo um cheiro de mel de laranjeira e o birrento do moleque continuando a aporrinhar, querendo atenção.

— Quê que foi? Tá com dor de barriga, tá? — Perguntou-lhe o pai, sorrindo.

— Não, num tô, não! Ali ó — Respondeu o caturra apontando o dedinho pro lado do palanque onde aboletavam as autoridades, notadamente os militares, dizendo-lhe: — Pai, compra pra mim umas estrelas e umas cordinhas douradas iguais às daqueles guardas ali no palanque, pai, compra? ‘cê compra pra mim, pai, compra? — Alimentado pelo sonho pueril numa carinha que pedia compaixão, seu olhar não admitia negativa, não piscou um segundo sequer.

O pai, perplexo, fitou demoradamente o filhote e uma luz cerúlea abriu-se no fundo da memória, lembrando-o que, em tenra idade, lera na antiga revista O Cruzeiro, uma magnífica e divertida crônica do imortal Stanislaw Ponte Preta, sobre um “guarda” e um menino.

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Alcivando Lima - Opinião Leitor

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