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Especial com Alcivando Lima – CACHORROS

“Se os animais tivessem uma religião, o homem seria o diabo” oeco.org.br

Todo santo dia ele é atacado de uma crise de mostrar o branco dos olhos e estrebuchar no chão babando e se mijando todo. O ar infesta-se hostilmente com uma fedentina de chiqueiro. O bafio de cachaça, expelido de uma boca escorrendo saliva xaroposa, faz duo com os chiados e sibilos rouquenhos. Um ranho de cor esverdeada vai e volta das fossas nasais no ritmo de puxar e expelir o ar numa sororoca medonha e, coitado dos cachorros, uns quinze, dezoito ou trinta e dois, lambem um xixi escorrido no chão pensando que é a coca-cola que ele traz de vez em quando e os cachorros quando descobrem que não era nada disso, fuçam o desventurado nas axilas, na barrigona, nas partes íntimas e, por fim, lambem sua boca babenta e o nariz catarrento com uma impetuosidade que ele costuma acordar e, dado que não morrera, faz uma festa desgraçada e todos se lambem e ele beija cada cachorro na boca e abraça e chora e enxuga o nariz nauseoso com um resto de camisa.

Sua ação caridosa de recolher e abrigar cachorros abandonados derreteu o coração das repórteres de televisão, com uma delas atribuindo, com os olhos rasos d’água, parecença com um santo que tinha a grandeza de viver no meio de animais e desde então se acha a reencarnação de um São Francisco que ele não sabe se é o de Assis ou de Sales. Qualquer hora dissipará a dúvida consultando um religioso graduado. Sacristão não serve.

Todo ramo de vida é tracionado pelo lado bom e pelo avesso. Corria o burburinho que a mulherada, assim que o via, açulerava no mundo com medo de pegar gonorréia, doença imposta pela zoofilia com cachorros e que antigamente era tratada com torturantes e doídas injeções de Benzentacil de 2.400.000U. Desconfiava-se que fulano tava com pingadeira se mancasse no caminhar e por recusar comer carne de porco temperada com pimenta (coisas reimosas) e nem bebericar bebida alcoólica de qualidade nenhuma por umas duas semanas. Nunca que o infectado deve de passar a mão bréiada nozolhos, a remela periga dos cílios de riba grudar nos cílios de baixo. Muitas afirmam que viram o safardana com uma formosa cadela no colo e ela, safadinha, dava um jeito de virar a cabeça, pra lá ou pra cá, pra lamber sua cara babenta. Surpreendido, se safava contando que nos seus sonhos aparecia o demônio súcubo que é-vinha na forma de uma belíssima mulher e depois de muita peleja conseguia uns carinhos e aos solavancos acordava agarrado numa bananeira ou numa cachorra. Cruz Credo! Rematou dizendo que foi praga duma antiga namorada que ele desprezou e que se vingou pagando cinco real para um feiticeiro costurar a reza braba na boca dum sapo cururu.

A fama atrai a arraia miúda que fica a catar as quirelas que o celebrado, displicentemente, deixa cair. O traficante não distingue fama de desventura, quer é vender seu crack, sua cocaína, sua maconha e o diabo. Quem compra tem que pagar e quando não se tem dinheiro, toma-se um empréstimo e depois o pulha tem o descaramento de cobrar os míseros reais do famigerado de Sales ou de Assis? Merece o que? Facada na barriga pra não ter o descaramento de mexer com um consagrado, ora! Mas é morador de rua! E daí? Morar na rua não é vantagem nenhuma. Tem muita gente melhor que a gente morando nas ruas. O problema é que os cachorros, tadinhos, voltarão a ter a miserável vida de antes, meu deus do céu! O bem-afamado foi preso e vai ficar uns dias na cadeia. Quem vai dar coca-cola e osso pra eles roerem? E os bichinhos vão se aninhar no colo de quem? Vão lamber a cara de quem? E as cachorras namoradas? E quem vai beijar a boca dos desamparados cachorros, heim?

— Tá bom!…Sabe dizer se o finado maconheiro tinha família?

— Sei não!… Só sei que o rabecão catou e levou embora!… Se houve velório, gemidos e soluços lacrimosos?… Sei não!

— Faculdade de medicina?… Talvez!

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Alcivando Lima - Opinião Leitor

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