Especial com Alcivando Lima – VOZES ENCANTADORAS
“Uma voz não pode transportar a língua e os lábios que lhe deram asas. Deve elevar-se sozinha no éter.” Kahlil Gibran
Um ventinho vindo do lado leste lhe trouxe um cheiro de saudade dos anos sessenta ao passar na porta da antiga loja de livros e discos Águia de Ouro. Lá, deleitava-se com autores, ritmos e vozes de deuses musicais. O dono distribuía caixas de som e ficava assim de gente escutando. De quando em vez, umas loirinhas e mulatinhas davam uns requebros no ritmo do xote, do samba-canção, da marchinha de carnaval, da cadência do do Noel Rosa, Pixinguinha, do baião do Luiz Gonzaga, do xaxado de Jackson do Pandeiro e se comprazia com o fado langoroso da Amália Rodrigues cantando saudades, nostalgia ao som da guitarra portuguesa.
A doce melodia, num compasso de tum schictum tum, fazia a gente dançar igual aquele menino de uns dez, onze anos, de uma negritude bronzeada, camisa e calças rotas, mas riquíssimo de felicidades meigas que, com um pandeiro nas mãos, sambava o fino do Moreira da Silva com seu samba de breque. É sublime, é poesia num andamento musical, algo que os deuses do panteão grego cedem, de bom grado, para os mortais terrenos.
Lembra duma uma ouvinte, rosto redondo, aparentando uns quarenta anos, mas na verdade só tinha vinte, aquietando-se, numa humildade violenta, pra ouvir, a plangente Triste Partida, de Patativa do Assaré na voz modulada de Luiz Gonzaga, e na hora em que a menininha, preocupada com seu pé de fulô, com sua boneca e com seu cachorro que lá ficou, aihai, seu coração rasgou-se em tiras e águas dos óio rolaram grossas pelos vincos da sua face encardida.
De inopino olha aí os recém aprovados nos vestibulares delirando com O Pequeno Burguês de Martinho da Vila gozando com a cara do diretor careca que não lhe entregou o canudo de papel. Namorados, cavalgando seus pegasus, iam aos céus enquanto ouviam o tonitruante Nelson Gonçalves entoando “Cabocla seu olhar tá me dizendo, que você tá me querendo, que você gosta de mim; cabocla, não lhe dou meu coração, hoje você me quer muito amanhã não quer mais não”.
Nos deixa extáticos “Você é Linda” de Caetano Veloso.
Dolores Duran soava com sua voz aveludada “Hoje eu quero a rosa mais linda que houver, E a primeira estrela que vier, Para enfeitar a noite do meu bem”, testemunhou muito machão roubando jasmins e açucenas para, docemente beijá-las e ofertá-las à sua lânguida mocinha que, dengosa, arrulhava: “oh, meu amorzinho, és tão romântico!” (muitas entortavam a boca num esgar, queriam um Long-Play do Elvis Presley, todavia, moucos ouvidos à mamãe suplicante: Não enrabicha pros lados de um bonitão qualquer que não tem um couro de cabrito donde cair morto. É pé rapado, que num dá conta de te levar pra restaurantes chiques e nem viajar prasoropa sequer uma vez na vida. Cai fora!)
Gal Costa, de alma enlevada, masgaiava a espinha da gente com seu “Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer”.
Chico Buarque aguilhoava forte com sua crítica social “… Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado…”
Corações derretiam, viravam mingau ao ouvir Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues. “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor, Ter loucura por uma mulher, E depois encontrar esse amor, meu senhor, Nos braços de um tipo qualquer”.
Agrupa-se constelações à nossa Via Láctea para comportar a perfeição de tantos luzeiros que incendeiam nossos corações dentro do peito e nos deixam zonzos de amor. Tenores, sopranos, contraltos, barítonos, baixos e suas nuanças, quanta beleza.
Santo Deus: Ouvir Betânia, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Marisa Monte, Roberta Sá, Zizi Possi, entre outras, equivale extasiar-se com o esplendor do Arco Iris apoiado nos Belos Montes da nossa querida São Luís, fugir do malabarismo verbal dos políticos demagogos, sentir a presença divina num sorriso infantil, ouvir a sonoridade dos pássaros, a doçura da voz de Deus traduzida nas sinfonias de Mozart, Beethoven, Johann Bach, o deslumbrante Danúbio Azul de Strauss, a apoteótica Ave-Maria de Franz Schubert, é chuva de flores da Ave-Maria de Charles Gounod.